foto para textoTodo mundo sabe que é normal sentir cansaço depois de um dia repleto de atividades. Esse tipo de sobrecarga na vida de uma pessoa geralmente começa bem cedo, ainda no ensino fundamental. Lá nos é apresentada uma série de responsabilidades novas que costuma desorientar os pequenos alunos. Como em todo período de transição, é natural que aos poucos o estranhamento vá sendo vencido e substituído por outros desafios ainda mais complexos. A chegada do ensino médio, com a carga horária aumentada, costuma ser o mais problemático.
Mas, no caso de nós aspergers, há o agravante de que o estresse provocado por uma rotina cheia pode gerar surtos de agressividade. Por muito tempo da minha vida, as pessoas mais próximas a mim ficaram sem entender por que ir a aula era algo que me causava tanto sofrimento. Achavam que eu poderia estar fugindo de alguma coisa. Em alguns casos até podia ser isso, mas não na maior parte deles. Eu sabia que chegava um ponto em que eu não conseguia mais aguentar. E a cada ano de escola que se passava, ficava mais difícil acompanhar o ritmo das aulas e do restante da turma. A questão que pairava no ar era: o que me impedia de dar conta como meus colegas faziam? Ser asperger tinha algo a ver com isso?
A resposta veio em uma conversa com o psiquiatra. Segundo ele, como eu tenho uma dificuldade maior que as outras pessoas para decodificar o mundo ao meu redor, é como se eu necessitasse do dobro do esforço de meus colegas neurotípicos para assistir a uma aula. Sim, os aspergers se desgastam mais para assumir as mesmas demandas dos colegas. Por consequência, o cansaço também é dobrado e isso nada tem a ver com preguiça ou qualquer outra associação que geralmente fazemos com adolescentes na mesma situação. Além disso, a enorme movimentação de uma sala de aula barulhenta faz de qualquer asperger que consiga passar por isso, um sobrevivente.
Feita a descoberta que mudou minha vida, pude ter mais liberdade para negociar com o colégio em que estudava. Quando não aguentava mais permanecer na sala, pedia para ficar em um lugar reservado e recorria à meditação do meu mantra budista até estar bem para retornar. E o meu psiquiatra me forneceu um atestado que me dispensava do retorno às aulas à tarde. Assim, minha mãe abandonou suas “estratégias de guerra” para me levar a aula e passou a confiar quando eu dizia já ter tentado de tudo.
O importante para o asperger é dar o melhor de si e não relaxar ou baixar a guarda, mas sempre respeitando os próprios limites. Mesmo que algumas pessoas possam enxergar nossos direitos como privilégios, quando fazemos o melhor que podemos elas perceberão que não estão facilitando em nada duvidar de nossa condição. E é assim que se faz a inclusão: damos a todos a oportunidade de extrair o que tem de mais valioso de si ainda que os caminhos para chegar lá sejam tão diferentes daqueles que conhecemos. É bom lembrar sempre – tudo bem ser diferente.
*Victor Arthur Silva de Mendonça tem 18 anos, possui a síndrome de asperger, diagnosticada aos 11 anos. É estudante de jornalismo pelo UniBH e possui uma coluna sobre cinema na Revista Estrada da Serra. É também assistente de produção do programa Fala Comigo, da Rádio Itatiaia. victormendonca97@hotmail.com